Vídeo-depoimento de Avelin Buniacá Kambiwá

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por Ávelin Buniacá

 

Esse texto é uma descrição fiel ao vídeo que compõem o espetáculo GLÓRIA, da Companhia de Teatro Toda Deseo.

O espetáculo estreou em novembro de 2018 e forma a “Trilogia do desmonte”, composta por três espetáculos que versam sobre instituições responsáveis pela criação e reprodução de uma série de opressões e preconceitos em relação às minorias políticas do país. A Trilogia: Nossa Senhora (2016), família; GLÓRIA (2018), igreja; e Quem é você? (2019), escola e a passagem da infância para adolescência.

GLÓRIA traz, por meio do teatro, a discussão sobre a atuação violenta da igreja ao longo da sua história e seus mecanismos de opressão na nossa sociedade. Para isso, a Companhia se utiliza, para além dos corpos em cena, de um texto crítico original, baseado nas memórias dos artistas, do diálogo com pesquisadores/ artistas de áreas afins e de pessoas que tem uma relação muito próxima à igreja, como o pastor evangélico José Barbosa e também a Avelin Buniacá, indígena, militante e atualmente assessora da Gabinetona (PSOL), em Belo Horizonte.

 

 VIDEO-DEPOIMENTO AVELIN BUNIACÁ KAMBIWÁ

 

“O teatro chega no Brasil como mais uma arma de opressão. Ele vem com os jesuítas para trazer uma mensagem bíblica de um Deus estrangeiro para os nossos povos, de uma forma que aproveita da nossa tendência natural, como indígenas, a gostar de dança, de cantar, de brincar, de se divertir. A gente é muito alegre, apesar de todas as lutas. Mas o teatro vem, então, trazer uma mensagem de um deus punitivo, de um deus bíblico, de um deus que não nos aceita como a gente é. Então, é um registro que nos dói quando a gente pensa no teatro.

Mas a gente sabe que a gente ressignifica tudo. E a linguagem audiovisual e a linguagem das cenas e das brincadeiras, ela é muito presente no dia a dia da aldeia, no dia a dia dos povos indígenas.

Então… Mesmo que veio com essa má intenção – porque eu acredito que era uma má intenção –, ao levar o nosso povo a não acreditar mais nos nossos deuses, nas nossas deusas. Em Guaraci, a mãe dos viventes, Mãe-Terra, em todo o nosso sagrado. Pra abrir mão de tudo que é nosso e acreditar num deus estrangeiro. Usar das artes é mais uma das formas de genocídio da nossa cultura.

Eu sinto muito de falar dos genocídios, porque são muitas formas. Eu… não queria que fosse tão cruel assim. A gente falar desse genocídio cultural, esse etnocídio, desse silenciamento dos nossos povos. De não poder contar as nossas próprias histórias, e ter que terceiros dizer por nós o que a gente pensa, o que a gente tá sentindo e até como contar as nossas histórias. A gente perdeu muito com isso. A gente perdeu… Até como fazer nossa própria cosmovisão de mundo ser lida no mundo, ser lida pelas pessoas como a gente realmente é.

O resultado disso é todo esse racismo, toda a discriminação, toda a violência que a gente sofre até hoje, porque foi feito de nós o que queriam, como se a gente fosse bonecos, né?!

Então, eu posso mexer de um jeito ou de outro, posso manipular, como se a gente não tivesse sentimento, né?! Como se a gente não tivesse uma história pra contar.

E a gente tem muito pra contar.

A gente tem que entender também que, junto com esse teatro bíblico, essa coisa de “a moral da história”, tudo cheio de muita moral. Eles, além de nos impor um deus estrangeiro, também nos impõe uma noção de pecado, de inferno, de sexualidade sadia, do ponto de vista deles. Demonizam a nossa cultura, os nossos corpos, a nossa sexualidade, a nossa sexualidade. Tudo se torna pecado. E isso não acabou na época da colonização no século XVI. Isso foi começado pelos jesuítas, mas agora continua com força com as igrejas neopentencostais, que tem entrado nas aldeias, demonizando as pinturas corporais, as pinturas faciais de jenipapo e urucum.

Os nossos deuses são demônios, então, as casas de reza têm sido depredadas também.

As pessoas têm opção. Nós somos seres humanos, podemos ter qualquer religião que a gente quiser. Mas a gente não aceita que a religião indígena, a cultura dos pajés seja demonizada. 

Ninguém é obrigada a aceitar nenhum tipo de evangelização, de cristianização, como se a gente já não tivesse a nossa cultura em nós. É muita violência você dizer pra uma pessoa que aquilo que você acredita a vida inteira ou que você acreditou a vida inteira, não presta ou vai te levar pra um lugar chamado inferno, que jamais você teve noção do que era isso. Ou que suas práticas que te deixam felizes, que trazem alegria, harmonia com seu modo de vida, é pecado.

Então, disso tudo também, trouxe esse adoecimento, porque não é possível ser saudável numa sociedade que diz que tudo aquilo que você acredita, acreditou, que seus avós te disseram, que tudo isso é… vai te levar para o inferno que eles criaram.

Eles criaram o inferno, não nos deram opção para sair desse inferno e mantém esse inferno latejando na cabeça dos parentes, na cabeça de cada indígena, que sai da aldeia e vem para a cidade. Quando volta para aldeia e quando a gente está andando pelas ruas da cidade, de qualquer lugar. Quando a gente está andando de transporte público, a primeira ideia que vem é que esse indígena, esse indígena é o pederasta, é dado aos pecados carnais, é o que não confia em deus. É o sem rei, sem lei. E que a gente não é digno de estar nessa terra.”

 

 


Artiste: Avelin Buniacá Kambiwá

É socióloga, professora, especialista em Gestão de políticas públicas em gênero e raça, foi a primeira candidata declaradamente Indígena em BH. Fundadora do comitê mineiro de Apoio ás Causas indígenas. Assessora parlamentar Gabinetona/BH.

Instagram: @avelinbuniacakambiwa
Facebook: Avelin Buniacá Kambiwá


Toda Deseo

É uma companhia formada por artistas mineirxs, com trabalhos que relacionam teatro e performance com questões LGBTIA.

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email: contatotodadeseo@gmail.com


 

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