por Mateus Meireles*
Olá, manas. Nesse texto darei início a uma discussão sobre representação e criação de estereótipos sobre a comunidade LGBTTQIA+ na mídia. Vou tentar sair um pouco do academiquês, mas caso queira pesquisar mais sobre o tema, deixarei algumas indicações de leitura no final.
A forma como vivemos em sociedade é pautada pelos significados culturais que compartilhamos com grupos menores ou maiores. São eles que regulam e organizam as práticas sociais. Essas instruções circulam por meio da produção de discursos, que podem ser sons pronunciados, palavras escritas, ou imagens visuais.
Uma perspectiva que abrace a ideia de que estas práticas “ordinárias” são constituintes da cultura é algo recente. Existia antes uma concepção de que a cultura seria um conjunto de coisas como pinturas, músicas e romances. Com essa mudança de pensamento, ela passa a abarcar as práticas de significação existentes na sociedade.
Isso dá abertura para que se considere o sentido como algo construído. Nesse cenário, a representação se insere como um elo que conecta o sentido e a linguagem à cultura. Em outras palavras, a representação é a utilização da linguagem dentro de um universo compartilhado para expressar algo do mundo para outras pessoas. E essas pessoas só entendem a mensagem porque compartilham desse universo.
À medida em que estas representações circulam por um bom tempo e encontram aderência na sociedade, elas se cristalizam no imaginário dos indivíduos. O que pode ser uma coisa boa, por exemplo, ao poupar o tempo dos humanos de redescobrir sempre que o fogo pode ser nocivo e machucar. Nesse caso, há uma ação de organização da vida em grupo.
O problema surge quando essas representações cristalizadas, ou estereotipadas, limitam o avanço do conhecimento e promovem o preconceito contra indivíduos ou grupos. Uma das mais poderosas máquinas de construção e desconstrução de estereótipos e imaginários é a mídia. Sua atividade seleciona recortes do que acontece na sociedade e os articula a partir de uma linguagem própria e lembremos, nenhuma linguagem é transparente ou isenta de interesses e jogos de poder. Por isso, selecionei alguns exemplos de estereótipos sobre pessoas LGBTTQIA+ reverberados pela mídia.
O primeiro deles é a ideia de que ser LGBTTQIA+ é um demérito. Isso pode ser identificado nos programas satíricos, seções de piadas de jornais e revistas e em casos nos quais celebridades têm a sua sexualidade escrutinada e questionada. O caso mais recente envolve a morte do apresentador Gugu Liberato. Sua viúva, Rose Miriam, e Thiago Salvático, que afirma ter sido companheiro de Liberato, estão em disputa pela herança do falecido. Rose, diante da repercussão do caso, afirmou que processaria qualquer um que manchasse a honra de Gugu. A fala foi amplamente reverberada. Fica explicitada a associação entre ser homossexual e o demérito.
O segundo é o entendimento dos LGBTTQIA+ como sinônimos de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). As ISTs não devem ser vistas como um estigma e estão presentes nos mais diversos grupos sociais. Entretanto, é perceptível a movimentação política de grupos conservadores em estabelecer uma associação entre os LGBTTQIA+ e as infecções. Apresento dois casos. O programa infantil Domingo no Parque, apresentado por Sílvio Santos, contava com um concurso de charadas. Durante a competição, uma criança com cerca de 10 anos perguntou: “Por que o papagaio não pega aids?”. A resposta dada foi: “Por que só dá o pé”. A charada foi escolhida como a melhor da tarde e a criança ganhou um par de tênis. Anos depois, em 2012, o político Marcos Feliciano afirmou durante um congresso que a aids é o “câncer gay”. A declaração foi noticiada em vários veículos.
O terceiro é a percepção dos corpos trans e travestis como exóticos. Pode ser considerado exemplo disso o frisson em torno dos corpos de Ariadna e Thammy Miranda. Ariadna foi capa da revista PLayboy com a chamada “Revelamos o segredo mais bem guardado do BBB”. Já Thammy, ganhou várias manchetes ao posar sem camisa após se submeter a uma ginecomastia.
O quarto exemplo é o do “pink money” como sinônimo de uma cidadania adquirida por meio do poder de consumo. São recorrentes as matérias jornalísticas que ressaltam a quantidade de dinheiro que circula no grupo LGBTTQIA+, ou os hábitos de consumo desses indivíduos, apontando como este pode ser um mercado próspero. Há um tentativa de empurrar a assimilação desses corpos por meio do dinheiro que possuem. Uma perspectiva problemática por si mesma, mas que estimula a exclusão de indivíduos periféricos, se restringindo majoritariamente aos gays e lésbicas brancos de classe média ou ricos.
Por fim, a própria ideia de estabilidade e coesão da comunidade LGBTTQIA+ é um estereótipo, já que não é provável a união de tantos indivíduos com tantas pautas distintas sem focos de tensão. O surgimento e crescimento de vertentes assimilacionistas LGBTTQIA+ são exemplos desta perspectiva. São grupos que se empenham em transmitir uma imagem amigável aos padrões heterocisnormativos.
O desejo de ser aceito por meio da assimilação provoca a exclusão. Foi o caso da decisão sobre o casamento igualitário, em que pessoas queer, trans e genderfuckers ficaram de fora. Não que essa fosse a preocupação delas, mas a situação reforça o conceito de que políticas como essa abraçam somente os “bons homossexuais”.
O primeiro passo a ser dado para superar este cenário é o reconhecimento da falta de transparência dos discursos, incluindo os produzidos pela mídia. Só então será possível partir para a desconstrução e subversão do poder disciplinar, do controle da população e das tecnologias de segurança.
Quais outras formas de representação estereotipada dos LGBTTQIA+ na mídia você já identificou? Conte pra gente.
Indicações de leituras que serviram de base para a escrita deste texto:
O estereótipo e as diversidades – Maria Aparecida Baccega
Cultura e Representação – Stuart Hall
Imprensa Gay – Flávia Péret
Devassos no Paraíso – João Silvério Trevisan
Cult 235 – Dossiê ” Os 40 anos do movimento LGBT no Brasil”
Gênero e sexualidade com Marcia Tiburi, Berenice Bento e Marie-Helène Bourcier – https://www.youtube.com/watch?v=h1D9RvV64ds
Mateus Meireles
Jornalista e mestrando em Comunicação Social pela Universidade Federal de Ouro Preto. Sua pesquisa perpassa a produção de discursos e ideologias e representação dos LGBTTQIA+ na mídia.